segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"É duro e daí?" - Por Emanuele Morais

Vamos festejar! Pelo menos quem se acha diferente, quem está de fora dessa penosa e duradoura ditadura da moda dos cabelos lambidos pelas chapinhas, lambidos pelos alisamentos agressivos, lambidos pela falta de auto-estima.
Vamos comemorar, nós temos cabelos duros, os chamados adoravelmente pelos nossos antepassados de ‘pixaim’, cabelos que a água não penetra, que só um vendaval balança, mas que resiste bravamente à nossa história tórrida que sempre colocou como ápice de poder e beleza cabelos lisos oriundos da beleza branca, da chamada raça pura herdada de nossos invasores bárbaros europeus.
Deixemos para trás aqueles grilhões representados pelas brilhantinas, óleos e gorduras para os cabelos duros, onde minha mãe, por exemplo, me punia ao dizer que achava o meu cabelo parecido com o da empregada doméstica, o que simbolizava mais uma vez a dominação impertinente da tal supremacia da raça branca perante a herança negra.
Passando verões na ilha me debatia constantemente com uma realidade presente, onde por mais que pretendesse que o meu cabelo ficasse lindo, comprido, escorrido e maravilhoso como os das ditas meninas bonitas e bronzeadas, ele insistia em me contestar ficando ouriçado, ressecado, principalmente devido ao salitre presente no ar.
Foram anos de veraneios e anos de desespero, pois eu não fazia parte do padrão dominante de beleza, enfim só a partir dos meus vinte e nove para trinta anos que percebi o quanto me massacrei por uma questão que hoje julgo tão simples, tão bacana, como usar o Black Power.
Vamos festejar o Black Power, ele é o meu redentor, o meu abolicionista e meu marido com seus cabelos lisos pretíssimos adora e se diverti com o cabelo que um dia eu sacrifiquei e apedrejei, hoje eu falo com orgulho e de boca cheia ‘O meu cabelo é duro e daí?’.

* Esta crônica foi escrita por mim em 20/11/10, para homenagear o Dia da Consciência Negra como uma forma de reafirmação e valorização da cultura e etnia afro-brasileira.

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